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Mathematics Department Técnico Técnico

Mathematics, Systems and Robotics Seminar  RSS

Sessions

12/10/2007, 15:00 — 16:00 — Room P10, Mathematics Building
António Baptista,  

Tantas "ciências"

A notória TLEBS (reforma terminológica no ensino de português ) é condenada ou defendida como pouco, nada ou pouco 'científica'. Referem-se ciências da filosofia, ciências da linguagem, ciências da religião, ciências sociais, ciências políticas, ciências económicas, ciências jurídicas (muitas.), etc., etc.

Formam-se comissões "científicas" para avaliação de funcionários, adornam-se as instituições de ensino com indispensáveis conselhos "científicos".

Os conteúdos dos livros (não importa a sua natureza) são mais ou menos "cientificamente" correctos. A Fundação da Ciência e da Tecnologia do Ministério da Ciência e Ensino Superior português patrocina um prémio para a melhor tradução científica e concede-o, em 2007, à tradução da "Ciência Nova" do filósofo Giambattista Vico!!! Não deixa de ser irónico o episódio sabendo-se que, por princípio, Vico negava a possibilidade da ciência da natureza. Temos enfim "ciência" aqui, ali e acolá, em todo o sítio ciência. E, de facto, não se pode dizer que estes usos estejam incorrectos. A scientia para os latinos podia referir-se ao saber, à erudição, à doutrina, ao conhecimento, à inteligência, à habilidade, à aptidão. Sciens non faciam significava não fazer de propósito, não ter intenção. Hoje ainda continuamos a dizer "estou ciente disso", e fala-se, compreensivelmente, da "ciência do bem e do mal", por exemplo. Podemos falar, em bom português, da ciência do barbeiro, do serralheiro, do canalizador mas suspeitamos que um "cientista" social, para só falar dessa espécie, não apreciaria esta associação às classes laborais. Assim, o termo cientista pode ser usado quase como se fosse um título nobiliárquico. Para além da questão semântica, no entanto, levantam-se outras questões mais importantes, complexas e menos inocentes. Um problema constante é o da demarcação da ciência de outro tipo de actividades. é quase um falso problema devido à sua simplicidade. É certo que na base da ciência está uma crença, como foi realçado principalmente pelos importantes filósofos Hume e Berkeley, a da existência dum mundo exterior ao do pensamento do homem, acessível pelos sentidos humanos e de que não se pode logicamente demonstrar a existência. No entanto, como disse o grande matemático e famoso filósofo Alfred North Whitehead os únicos seres humanos que não assumem a existência desse mundo exterior como realidade estão num asilo de "lunáticos". Ou, poderíamos acrescentar, em certas faculdades. Depois, a ciência desenvolve-se obrigatoriamente em dois planos: o teórico, o pensamento, e a realidade que é observada ou representada pelas experiências e que, como sublinharam sóbrios pensadores como Charles Peirce ou Albert Einstein, é simplesmente "aquilo" que é independente do que pode pensar dele um indivíduo "qualquer". Em ciência tem de haver uma correspondência obrigatória, necessária entre a teoria, o pensamento, e a realidade. Este é o problema mais complexo da verificação, da validação ou da falseação. Tudo isto se foi tornando perfeitamente claro principalmente no século XIX mas arranca mais claramente desde o século XVI com Kepler, Galileu, Newton, Huyghems e colaboradores e discípulos. Só no século XIX em 1833 o reverendo William Whewell, por solicitação do poeta Coleridge propõe a palavra cientista para o indivíduo que contribui para a ciência. Quanto ao que era ciência julgou-se dispensável a sua definição, tão clara se julgava a sua natureza e exigências. Não se contava, no entanto, com as ideologias, as divagações e os delírios provocados pela quimera da originalidade. Em particular, as ideologias funcionam muitas vezes como agentes ancilosantes da actividade intelectual disciplinada que a ciência requer. As consequências podem ser mais do que lamentáveis. Dão-se exemplos.