Para que Serve o
Cálculo Diferencial e Integral II ?
I. Porque apenas uma variável não chega!
(Foto retirada da web page da
NASA.
)
No mundo que nos rodeia quase tudo depende de várias variáveis: pressão atmosférica,
temperatura, densidades de massa ou de carga eléctrica, grandezas económicas,
grandezas mecânicas como a posição, a velocidade ou a aceleração. Algumas destas
grandezas são representadas matematicamente por
campos escalares; em cada ponto temos um número
que significa, nalguma unidade, por exemplo uma temperatura, ou uma pressão,
ou uma densidade de massa por unidade de volume. Outras grandezas são representadas
por campos vectoriais; em cada ponto temos um vector que representa, por exemplo, uma força aplicada nesse ponto, ou a posição
de uma partícula ou a sua velocidade. O que significa dizer que estas grandezas
variam continuamente ? O que significa
tomar derivadas
destas grandezas segundo uma direcção ? O que é um gradiente de pressão ou
um gradiente de temperatura ? O que é
uma linha isobárica ? E uma linha isotérmica ? O que é uma
superfície equipotencial
quando estamos na presença de um campo electroestático ? Como manipular e
representar estes objectos matemáticos ? Todos estas ideias se aprendem a manipular
em CII e correspondem a conceitos do
Cálculo Diferencial de Várias Variáveis.
Não conhecer a matéria de CII
deixar-nos-ia incapazes de
quantificar e analisar de forma científica quase tudo o que nos rodeia; como se
fossemos analfabetos na biblioteca mais rica do mundo!
II. Para estudar a cobertura do Pavilhão Atlântico
(Foto retirada da web page do
Parque das Nações.
)
Para construir uma estrutura como a cobertura do Pavilhão
Atlântico na Expo ou a célebre pala do arquitecto
Siza Vieira, temos de conseguir responder a várias questões
que de imediato se põem, por exemplo:
- Quanto pesa a cobertura (qual é a sua massa) ?
- Qual é a área que ocupa ?
- Em que pontos devem ser colocados os apoios e que cargas devem
poder suportar ?
- Que ângulos com a vertical devem ou podem os apoios fazer ?
Para responder a estas questões precisamos de um modelo
matemático da estrutura. Como a extensão em comprimento
e largura da cobertura é muito maior do que a sua espessura,
é muito útil e uma boa aproximação considerar a
cobertura como uma superfície. Após termos a
descrição da superfície em termos de uma
equação ou
de uma parametrização e conhecendo a densidade efectiva de
massa por unidade de área podemos calcular a massa da cobertura,
a sua área, os
momentos de inércia relativos a vários
eixos
- o momento de inércia mede a capacidade de rotação
da estrutura em torno de um eixo - e assim calcular as cargas exercidas
sobre os apoios. Podemos também calcular as equações das
rectas perpendiculares à cobertura. Em
CII
tudo isto se aprende a calcular através do estudo de
variedades e
de integrais em variedades
(neste caso mais simplesmente superfícies e integrais de
superfície).
III. Para perceber o Electromagnetismo
(Foto retirada da web page do
European Laboratory For Particle Physics - CERN . A foto representa
um dipólo magnético supercondutor usado num acelerador do CERN
para acelerar partículas elementares até velocidades muito altas.
)
O Electromagentismo é uma parte essencial da Física e uma
ferramenta de importância fundamental em praticamente todas as
Engenharias. O Electromagentismo é omnipresente na vida quotidiana:
telemóveis, televisões, rádios, leitores de CD,
computadores, trovoadas, reações químicas, a visão,
o radar, a luz das estrelas são entre muitas outras coisas
fenómenos influenciados pelo Electromagnetismo ou tecnologia que
funciona à base do Electromagnetismo.
Tal como toda a Física, o Electromagnetismo é descrito por leis
matemáticas neste caso contidas nas Equações de Maxwell:
\[\color{blue}{\begin{cases} \operatorname{div}\boldsymbol{E} =\rho \\ \operatorname{div}\boldsymbol{B} =0 \\ \operatorname{rot}\boldsymbol{E} =- \tfrac{\partial \boldsymbol{B}}{\partial t} \\ \operatorname{rot}\boldsymbol{B} = \boldsymbol{J}+ \tfrac{\partial \boldsymbol{E}}{\partial t} \end{cases}}\]
\(\boldsymbol E\) = campo eléctrico, \(\boldsymbol B\) = campo magnético, \(\rho\) = densidade de carga eléctrica, \(J\) = densidade de corrente eléctrica.
A linguagem em que estão escritas as Equações de Maxwell
é a linguagem do Cálculo Diferencial de Várias Variáveis.
Em CII aprendem-se os significados dos operadores
Divergência (Div) e Rotacional (Rot)
que aparecem nas Equações de Maxwell. Também
se aprendem resultados do
Cálculo Integral de Várias Variáveis
que permitem escrever as Equações de Maxwell na forma integral. Por
exemplo, a primeira equação dá origem à Lei de Gauss: a
carga eléctrica total no interior de uma superfície fechada é
proporcional ao fluxo do campo eléctrico para o exterior da
superfície. Também a Lei de Ampère do magnetismo
pode ser entendida de modo semelhante. A Lei de Gauss e a Lei de Ampère
surgem das Equações de Maxwell através de dois resultados
fundamentais que se aprendem em CII: O Teorema da Divergência e
o Teorema de Stokes.
IV. Para perceber a Mecânica
(Foto retirada da web page da
NASA .)
Entre os conceitos fundamentais da Mecânica encontram-se os conceitos de
posição, velocidade, aceleração e força.
Todas estas grandezas são representadas matematicamente por
campos vectoriais. O Cálculo Diferencial de Várias
Variáveis é essencial para as manipulações
mais elementares destas grandezas físicas: por exemplo, o campo
vectorial velocidade é a derivada em ordem ao tempo do
campo vectorial posição. Por sua vez, a aceleração
é obtida derivando a velocidade em ordem ao tempo. Também o
Cálculo Integral de Várias Variáveis
é crucial para
se estudar a Mecânica. O trabalho de uma
força ao longo de uma
trajectória é calculado através de um
integral de linha. Forças cujo
trabalho realizado ao longo de qualquer caminho unindo dois pontos fixos
arbitrários seja independente do caminho escolhido -
o trabalho depende
só das posições inicial e final - chamam-se
forças conservativas. Um
exemplo é a força gravítica Newtoniana. A uma
força conservativa podemos associar uma
Energia Potencial . Matematicamente, como se aprende em
CII, estas
ideias estão associadas aos conceitos de
gradiente e de
potencial escalar para um gradiente.
Um dos princípios fundamentais da Física, o
Princípio da Conservação da
Energia - que diz que a soma das energias cinética e potencial
de um corpo é constante num sistema conservativo - é um
corolário directo da Lei de Newton - F=ma - e do
Teorema Fundamental do Cálculo para Integrais de Linha.
V. Para perceber a Mecânica dos Fluidos
(Foto retirada da web page do
Windsurf Magazin .)
Muitas aplicações tecnológicas baseiam-se na
Mecânica dos Fluidos e/ou a sua estrutura é grandemente
afectada pelas leis de movimento dos fluidos. Um exemplo evidente
é o da aerodinâmica de um avião, associada a uma boa
performance e a um mais baixo consumo de combustível, que é
intensivamente testada em todos os novos protótipos em túneis
de vento. Um exemplo mais surpreendente é fornecido pelo estudo dos
problemas do trânsito numa grande cidade que pode ser modelado por um
problema de mecânica dos fluidos fazendo-se variar a velocidade,
compressibilidade, viscosidade e outras propriedades do fluido consoante
a situação concreta que se pretende estudar. Uma das equações
fundamentais da Mecânica dos Fluidos é a
Equação de Navier-Stokes. A linguagem em que é escrita a
Equação de Navier-Stokes é, mais uma vez, a do
Cálculo Diferencial de Várias
Variáveis, aplicado ao campo vectorial da velocidade do
fluido e a outros. Os operadores
Laplaciano, Divergência e Rotacional que se aprendem
a manipular em
CII
são ferramentas
fundamentais na teoria. Por exemplo, se um
fluido
homogéneo tiver a propriedade de ser
incompressível, essa propriedade representa-se
matematicamente pela equação
Div(v) = 0 onde
v é o campo vectorial da
velocidade do fluido. Por sua vez os resultados do
Cálculo Integral de Várias Variáveis
são importantes para se descreverem as leis de
conservação (ou de continuidade) da Mecânica dos Fluidos.
VI. Para perceber a Mecânica Quântica
(Figura retirada da web page do
European Laboratory For Particle Physics - CERN.)
Todos os sistemas à escala molecular ou atómica têm
de ser descritos e estudados com a Mecânica Quântica. Em
particular, toda as leis da Química como a estrutura periódica
dos elementos, a estabilidade de compostos moleculares ou as
reacções químicas são mais ou menos directamente
influenciados pelas leis da Mecânica Quântica. A
equação fundamental da Mecânica Quântica
(não-relativista) é a Equação de Schrodinger.
A aplicação da Equação de Schrodinger a sistemas
atómicos ou moleculares reais muito rapidamente fica dependente de
conceitos básicos de Cálculo Integral de
Várias Variáveis, como por exemplo os
integrais múltiplos.
Estes são também ferramentas importantes na Análise de Fourier de
sinais - que consiste na análise das várias frequências
que compõem um sinal, por exemplo electromagnético.
Alguns aspectos da Análise de Fourier são normalmente estudados em
Cálculo Diferencial e Integral II.
VII. Para um bom trabalho numérico
(Foto retirada da web page do
Computational High Energy Physics Group
do
Departamento de Física
da
Brown University, Providence, EUA
. A foto representa um supercomputador Cray onde são realizados
cálculos numéricos muito exigentes relativos a problemas de
Teoria Quântica do Campo - esta é a teoria em que melhor se descreve a
Física das Partículas Elementares. )
Provavelmente a maioria os problemas práticos de Engenharia vão
necessitar de ser analisados com a ajuda de métodos numéricos.
Por muito sofisticado que seja o software a utilizar para se atacar numericamente um problema
que envolva os tópicos descritos acima, uma utilização
eficiente desse software e um trabalho numérico de boa qualidade só é possível quando se entende com solidez a teoria e os conceitos correspondentes. Um dos passos para se atingir esses objectivos é
aprender bem as ideias apresentadas na CII, por exemplo o Teorema da Função Inversa e o
Teorema da Função Implícita.
Envie comentários para jpnunes@math.ist.utl.pt.