Aula teórica 35

O integral (continuação).
O integral indefinido.
O Teorema Fundamental do Cálculo.
Regra de Barrow.
Fórmula de integração por partes.
Fórmula de integração por substituição de variável.
Aplicação do integral ao cálculo de áreas.

Material de estudo:

Nesta aula estuda-se o Teorema Fundamental do Cálculo o qual, como o nome indica, é um dos resultados mais importantes da disciplina sendo, sem dúvida, o mais importante da parte do Cálculo Integral.
Em seguida, apresentam-se os métodos de integração por partes e por substituição de variável. Estes métodos consistem na combinação dos métodos de primitivação por partes e por substituição com a regra de Barrow e aplicam-se às mesmas funções que os métodos de primitivação correspondente, não apresentando dificuldades extra.
Por fim, refere-se a aplicação do integral ao cálculo de áreas de regiões do plano. Dão-se vários exemplos e disponibiliza-se uma ferramenta GeoGebra para visualização dos conceitos introduzidos no texto, nomeadamente ao de região entre os gráficos de duas funções. Nesta parte, o assunto mais relevante é o de saber traduzir uma área pedida como um integral ou soma de integrais. A não ser que a região seja dada na forma standard que veremos adiante que nos permite logo escrever o integral, o esboço da região é uma ajuda, por vezes indispensável para compreender a região e saber escrever os integrais.
Esta parte da matéria será explorada na aula de problemas sendo eminentemente prática.
Com esta aula termina então o Cálculo Integral.

O estudo do material desta aula terá como objectivos (numa ordem arbitrária):

O integral (continuação)

O integral indefinido.

Generalização do símbolo de integral.

Antes de introduzirmos o integral indefinido temos que generalizar o símbolo \[\displaystyle\int_a^b f(x)\,dx.\] Ele foi introduzido no pressuposto que \(a\lt b\). Definimos agora,

Com estas definições pode-se ver que se \(f\) for integrável num intervalo \(I\) e se \(\;a,b,c\in I\;\) independentemente da sua ordenação temos sempre a propriedade da aditividade do integral \[\int_a^b f(x)\,dx=\int_a^c f(x)\,dx+\int_c^b f(x)\,dx\] vista na aula anterior para o caso \(a\lt c\lt b\).
Exemplo Suponhamos que \(a=2\), \(b=0\), \(c=3\). O resultado da aula anterior diz que \[\int_0^3 f=\int_0^2 f+\int_2^3 f,\] ou seja, \[-\int_0^2 f=\int_2^3 f - \int_0^3 f\] Usando as definições atrás concluimos que \[\int_2^0 f=\int_ 2^3 f+\int_3^0 f,\] que era o que queríamos obter.

Podemos ver que o teorema da média também se verifica, mesmo quando \(a\gt b\):
Se \(f\) é integrável em \([b,a]\) com \(b\lt a\) temos, de acordo com o teorema da média, que existe \(c\) entre \(a\) e \(b\) tal que \[f(c)=\frac{1}{a-b}\int_b^a f(x)\,dx=\frac{1}{-(b-a)}\left(-\int_a^b f(x)\,dx\right)=\frac{1}{b-a}\int_a^b f(x)\,dx\]

Contudo, a propriedade de monotonia não se mantem: se \(\,f\geqslant 0\;\) então, por exemplo, \(\displaystyle\int_1^0 f(x)\,dx=-\int_0^1 f(x)\,dx\leqslant 0.\)

Definição do integral indefinido.

Introduzimos então,
Definição (integral indefinido).

Seja \(D\) um intervalo e \(\;f:D\to \mathbb{R},\;\) uma função integrável em qualquer intervalo limitado contido em \(D\). Fixe-se \(a\in D\). O integral indefinido de \(f\) com ponto inicial \(a\) é a função \(\;F_a:D\to\mathbb{R}\;\) dada por \[F_a(x)=\int_a^x f(t)\,dt.\]

Observação importante: O integral indefinido \(\int_a^xf(t)\,dt\) é uma função, o integral definido \(\int_a^bf(t)\,dt\) é um valor numérico.

Uma questão de notação: Para o integral indefinido não podemos usar para variável de integração a mesma letra que usamos para o limite de integração variável, isto é, NÃO podemos usar \(\int_a^xf(x)\,dx\) ou \(\int_a^tf(t)\,dt\). Mas é perfeitamente lícito escrevermos na forma apresentada na definição ou, por exemplo, \(F_a(t)=\int_a^t f(x)\,dx\).

Veja que a propriedade de aditividade implica que

Prova-se (não o faremos aqui, mas pode ver [AB], teorema 4.4.2):
Teorema (continuidade do integral indefinido)

Seja \(D\) um intervalo e \(a\in D\). Seja \(f:D\to \mathbb{R}\) integrável em qualquer intervalo limitado contido em \(D\). Então o integral indefinido \(F_a\) é uma função contínua em \(D\).

O Teorema Fundamental do Cálculo

Suponhamos que \(f\) é contínua num intervalo aberto \(D\). Fixemos \(a\in D\) e consideremos \(x,x_0\in D\). Então, \[\lim_{x\to x_0}\frac{F_a(x)-F_a(x_0)}{x-x_0}=\lim_{x\to x_0}\frac{1}{x-x_0}\int_{x_0}^x f(t)\,dt =\lim_{x\to x_0}f(c_x)=f(x_0)\]

Aqui usou-se o teorema da média para estabelecer para cada \(x\) a existência de \(c_x\) entre \(x\) e \(x_0\) onde \(f(c_x)\) coincide com o valor médio de \(f\) entre \(x\) e \(x_0\). Usou-se também a continuidade de \(f\) no teorema da média e na última igualdade. Mas então demonstrámos:
Teorema Fundamental do Cálculo (TFC-1ª versão).

Se \(f\) é contínua no intervalo aberto \(D\) e \(a\in D\), então o integral indefinido \[F_a(x)=\int_a^x f(t)\,dt\] é uma função diferenciável em \(D\) e, para cada \(x_0\in D\) temos, \[F_a'(x_0)=f(x_0).\]

De outro modo, nas condições do teorema, temos que, para cada \(x\in D,\) \[\left(\int_a^x f(t)\,dt\right)'=f(x).\] Ou seja, se \(f\) é contínua, então o integral indefinido \(F_a\) é uma primitiva de \(f\).

Exemplo 1. seja \(f(x)=e^{-x^2}\). Pelo TFC, podemos dizer que se \[F(x)=\int_0^x e^{-t^2}\,dt\qquad \text{então}\qquad F'(x)=e^{-x^2},\quad \forall x.\] Observa-se que, neste caso, não existe uma expressão explícita para o integral indefinido em termos das funções elementares.
Este é um exemplo de uma função que é definida por um integral indefinido: a "função erro" muito importante na estatística: \(\operatorname{erf} (x)=\frac{2}{\sqrt{\pi}}\int_0^x e^{-t^2}dt.\)

Exemplo 2. \(F(x)=\displaystyle\int_x^{-1}\frac{e^t}{t}dt\quad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}^-\). Relembre que \(f(t)=\dfrac{e^t}{t}\) é contínua quer em \(\;\mathbb{R}^-,\;\) quer em \(\;\mathbb{R}^+\), mas o ponto inicial \(-1\in \mathbb{R}^-.\quad\) Assim, se fosse \(\;x\gt 0\;\) o intervalo de integração seria \([-1,x]\) o que incluiria o zero, e a função integranda não seria limitada e portanto não integrável nesse intervalo o que é absurdo.
Temos então, \[F'(x)=\left(\int_x^{-1}\frac{e^t}{t}\right)'=\left(-\int_{-1}^x\frac{e^t}{t}\right)'=-\frac{e^x}{x},\qquad x\lt 0.\]

Exemplo 3. \(G(x)=\displaystyle\int_2^{x^2}\frac{e^t}{t}dt\quad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}\setminus\{0\}\).
Temos que olhar para a função \(G\) como a função \(F(b(x))\) composta do integral indefinido \(F(x)=\int_2^x \frac{e^t}{t}\,dt\) com \(b(x)=x^2\).
Como \(f(t)=\dfrac{e^t}{t}\) é contínua em \(\mathbb{R}^+\) então é contínua no intervalo fechado entre \(2\) e \(x^2\)e, logo, \(F'(x)=f(x).\) Usando o teorema da derivada da função composta, \[G'(x)=\left(F(b(x))\right)'=f(b(x))b'(x)=\frac{e^{x^2}}{x^2}2x=\frac{2e^{x^2}}{x}.\]

Exemplo 4. \(\displaystyle G(x)=\int_x^{x^2}\frac{e^t}{t}dt,\qquad\) tem domínio \(D=\mathbb{R}^+\).
Para derivar \(G\) escrevemos, \[G(x)=\int_x^a \frac{e^t}{t}dt+\int_a^{x^2} \frac{e^t}{t}dt=-\int_a^x \frac{e^t}{t}dt+\int_a^{x^2} \frac{e^t}{t}dt.\] Logo, usando o exemplo 3, \[G'(x)=-\frac{e^x}{x}+\frac{2e^{x^2}}{x}.\]

Os exemplos 2, 3 e 4 são casos particulares do seguinte resultado:

Se \(a(x)\) e \(b(x)\) são diferenciáveis e \(f\) é contínua, então, \[\left(\int_{a(x)}^{b(x)}f(t)\,dt\right)'=b'(x)f(b(x))-a'(x)f(a(x)).\]
Resulta de considerar o integral indefinido de \(f\), \(F(x)=\int_c^xf(t)\,dt\;\) \(c\) fixo, e escrever, \[\left(\int_{a(x)}^{b(x)}f(t)\,dt\right)'=\left(\int_{c}^{b(x)}f(t)\,dt-\int_{c}^{a(x)}f(t)\,dt\right)' =\left(F(b(x))-F(a(x))\right)'\] e o resultado sai do TFC e da regra de derivação da função composta.

Pode ainda dar-se o caso da expressão integranda envolver \(x\) como no exemplo seguinte

Exemplo 5. \(\displaystyle G(x)=\int_1^{x}\frac{x^2e^t}{t}dt,\quad\) tem domínio \(\mathbb{R}^+\).
Como \(x\) é independente de \(t\), tratamo-lo como uma constante a multiplicar a função integranda. Logo, \[\left(\int_1^{x}\frac{x^2e^t}{t}dt\right)'=\left(x^2\int_1^{x}\frac{e^t}{t}dt\right)'=2x\int_1^{x}\frac{e^t}{t}dt+x^2\cdot\frac{e^x}{x}.\]

Observação O Teorema Fundamental do Cálculo estabelece a ligação entre o Cálculo Diferencial (derivadas) e o Cálculo Integral (integrais). À partida nada nos fazia suspeitar que o conceito de derivada e portanto de primitiva, estivesse relacionado com o conceito de integral. Relembremos as interpretações geométricas aparentemente não relacionadas da derivada e do integral.

O seguinte resultado que é uma consequência do anterior é aquele que nos vai fornecer um método para calcular integrais de uma forma sistemática:
Teorema Fundamental do Cálculo (TFC-2ª versão): regra de Barrow

Seja \(f\) contínua em \([a,b]\) e \(P(f)\) uma primitiva qualquer de \(f\) em \([a,b].\;\) Então, \[\int_a^b f(t)\,dt=P(f)(b)-P(f)(a).\]

Demonstração. O TFC diz-nos que o integral indefinido \(\;\displaystyle F(x)=\int_a^x f(t)\,dt\;\) é uma primitiva de \(f\) em \([a,b],\) logo, para algum \(C\in\mathbb{R},\) \[F(x)=P(f)(x)+C\] Então, como \(F(a)=0\) e \(F(b)=\int_a^b f(t)\,dt\), temos, \[\int_a^b f(t)\,dt=F(b)-F(a)=(P(f)(b)+C)-(P(f)(a)+C)=P(f)(b)-P(f)(a)\,.\]

Notação: escrevemos \[P(f)(b)-P(f)(a)=\left[P(f)\right]_a^b\,.\]

Portanto este teorema transforma o problema do cálculo de um integral num problema de primitivação. Assim, a possibilidade de encontrar uma expressão que dê o valor de um integral depende da nossa capacidade de primitivar a função a integrar.

Nos seguintes exemplos usamos primitivas imediatas e quase-imediatas para calcular os integrais usando a regra de Barrow:

Exemplo 6. \(\;\displaystyle \int_1^2 x^5 \,dx=\left[\frac{x^6}{6}\right]_1^2=\frac{2^6}{6}-\frac{1^6}{6}=\frac{63}{6}.\)

Exemplo 7. \(\;\displaystyle \int_0^{\pi/2} \operatorname{sen}x \,dx=\left[-\cos x\right]_0^{\pi/2}=-\cos 0+\cos\frac{\pi}{2}=1.\)

Exemplo 8. \(\;\displaystyle \int_{-\pi}^{\pi} \operatorname{sen}x \,dx=\left[-\cos x\right]_{-\pi}^{\pi}=-\cos (-\pi)+\cos\pi=1-1=0.\)

Exemplo 9. \(\;\displaystyle \int_{-\pi/2}^{\pi/2} \cos x \,dx=\left[\operatorname{sen}x\right]_{-\pi/2}^{\pi/2} =\operatorname{sen}\frac{\pi}{2}-\operatorname{sen}\left(-\frac{\pi}{2}\right)=1-(-1)=2.\)

Exemplo 10. \(\;\displaystyle \int_{1}^{2} \dfrac{1}{x} \,dx=\left[\ln |x|\right]_{1}^{2}=\ln 2-\ln 1=\ln 2.\)

Exemplo 11. \(\;\displaystyle \int_{-e^3}^{-1} \dfrac{1}{x} \,dx=\left[\ln |x|\right]_{-e^3}^{-1}=\ln 1-\ln e^3=-3.\quad\)

Exemplo 12. \(\;\displaystyle \int_{-1}^{1} \frac{1}{x^2+1} \,dx=\left[\operatorname{arctg}x\right]_{-1}^{1} =\operatorname{arctg}1-\operatorname{arctg}(-1)=\frac{\pi}{4}-\left(-\frac{\pi}{4}\right)=\frac{\pi}{2}.\)

Exemplo 13. \(\;\displaystyle \int_{0}^{1} xe^{-x^2} \,dx=\left[-\frac{e^{-x^2}}{2}\right]_{0}^{1}=\frac{1-e^{-1}}{2}.\)

Exemplo 14. \(\;\displaystyle \int_{0}^{1} \frac{x}{x^4+1} \,dx=\frac{1}{2}\int_{0}^{1} \frac{(x^2)'}{(x^2)^2+1} \,dx= \frac{1}{2}\left[\operatorname{arctg}(x^2)\right]_{0}^{1} =\frac{1}{2}(\operatorname{arctg}1-\operatorname{arctg}0)=\frac{\pi}{8}.\)

Exemplo 15. \(\;\displaystyle \int_{e}^{e^2} \dfrac{1}{x\ln x} \,dx=\int_{e}^{e^2} \dfrac{(\ln x)'}{\ln x} \,dx= \left[\ln |\ln x|\right]_{e}^{e^2}=\ln 2-\ln 1=\ln 2.\)

Fórmula de integração por partes.

Sejam \(f,\; g\) duas funções de classe \(C^1\) em \([a,b]\). Relembremos (aula teórica 26: ver guia de estudo) que no método de primitivação por partes usamos a seguinte expressão: \[P(f'g)=fg-P(fg').\] Então, pela regra de Barrow teremos \[\begin{aligned}\int_a^b f'(x)g(x)\,dx&= P(f'g)(b)-P(f'g)(a)\\&=f(b)g(b)-f(a)g(a)+P(fg')(b)-P(fg')(a)\\ &=f(b)g(b)-f(a)g(a)+\int_a^b f(x)g'(x)\,dx,\end{aligned}\] em que usámos duas vezes a regra de Barrow. Teremos então:
Fórmula de integração por partes:

Sejam \(f,\;g\) de classe \(C^1\) em \([a,b]\). Então, \[\int_a^b f'(x)g(x)\,dx=\left[f(x)g(x)\right]_a^b-\int_a^bf(x)g'(x)\,dx\,.\]

Esta fórmula aplica-se às mesmas funções a que se aplicava o método de primitivação por partes.

Exemplos

  1. \(\displaystyle\int_1^2x\ln x\,dx=\left[\frac{x^2}{2}\ln x\right]_{1}^{2}-\int_1^2\frac{x^2}{2}\cdot\frac{1}{x}\,dx= 2\ln 2-\left[\frac{x^2}{4}\right]_1^2 =2\ln 2 -\frac{3}{4}\,. \)
  2. \(\displaystyle\int_0^1\operatorname{arctg} x\,dx=\left[x\operatorname{arctg}x\right]_{0}^{1}-\int_1^2 x\cdot\frac{1}{1+x^2}\,dx= \frac{\pi}{4}-\left[\frac{1}{2}\ln(1+x^2)\right]_0^1 =\frac{\pi}{4} -\frac{1}{2}\ln 2\,. \)
  3. \(\displaystyle\int_0^\pi \cos^2x\,dx=\left[\operatorname{sen}x\cos x\right]_{0}^{\pi}-\int_0^\pi\left(-\operatorname{sen}^2x\right)\,dx= 0+\int_0^{\pi} (1-\cos^2x)\,dx=\pi-\int_0^\pi \cos^2 x\,dx\,. \)
    Somando \(\displaystyle\int_0^\pi \cos^2 x\,dx\) a ambos os membros e dividindo por \(2\), obtemos, \[\int_0^\pi \cos^2 x\,dx=\frac{\pi}{2}\,.\]
  4. \(\displaystyle\int_1^\sqrt{3} \frac{1}{x^2}\operatorname{arctg}x\,dx =\left[-\frac{1}{x}\operatorname{arctg}x\right]_1^{\sqrt{3}}+\int_1^{\sqrt{3}}\left(\frac{1}{x(1+x^2)}\right)\,dx\)
    \(\displaystyle\qquad\qquad\qquad\qquad=-\frac{\pi}{3\sqrt{3}}+\frac{\pi}{4}+\int_1^{\sqrt{3}}\left(\frac{1}{x}-\frac{x}{1+x^2}\right)\,dx\)
    \(\displaystyle\qquad\qquad\qquad\qquad=-\frac{\pi}{3\sqrt{3}}+\frac{\pi}{4}+\left[\ln|x|-\frac{1}{2}\ln(1+x^2)\right]_1^{\sqrt{3}} =-\frac{\pi}{3\sqrt{3}}+\frac{\pi}{4}+\frac{1}{2}\ln\frac{3}{2}\,.\)
    Note que tivemos que usar o método de decomposição de uma função racional em fracções simples (confirme os cálculos).

Fórmula de integração por substituição de variável

Já sabemos que, por vezes, é útil substituir uma primitivação por uma outra para a qual temos um método de resolução através de uma substituição de variável. O mesmo se passa com a integração:

Fórmula de integração por substituição de variável.

Sejam \(I,J\) intervalos, \(f:J\to\mathbb{R}\) contínua, \(g\) de classe \(C^1\) e injectiva em \(I\) com \(J=g(I).\) Então, dados \(a,b\in J\), \[ \int_a^b f(x)\,dx=\int_{g^{-1}(a)}^{g^{-1}(b)}f\left(g(t)\right)g'(t)\,dt\,. \]

Demonstração

Seja \(F=P(f)\), ou seja, \(F'=f.\) Então, pelo teorema da derivação da função composta, \[\left(F(g(t))\right)'=F'(g(t))g'(t)=f(g(t))g'(t)\,.\] Então, \(F(g(t))\) é uma primitiva de \(f(g(t))g'(t)\) e, \[\int_{g^{-1}(a)}^{g^{-1}(b)}f\left(g(t)\right)g'(t)\,dt=\left[F(g(t))\right]_{g^{-1}(a)}^{g^{-1}(b)}=\left[F(x)\right]_a^b=\int_a^bf(x)\,dx\,,\] onde se usou a regra de Barrow na primeira e na última igualdades. A segunda é simplesmente o facto de \(g(g^{-1})(x)=x.\)

Tal como já referido relativamente à primitivação, aqui também é conveniente usar a notação \[\frac{dx}{dt}=g'(t),\]

com a qual, a fórmula de integração por substituição tomará a forma mais sugestiva \[ \int_a^b f(x)\,dx=\int_{g^{-1}(a)}^{g^{-1}(b)}f\left(g(t)\right)\frac{dx}{dt}\,dt\,. \]
Portanto, para integrar por substituição fazendo \(x=g(t)\):
  1. substitui-se na função a integrar \(x\) por \(g(t)\);
  2. multiplica-se a função a integrar por \(\frac{dx}{dt}\)
  3. faz-se \(\begin{cases}x=a &\Rightarrow t=g^{-1}(a)\\x=b &\Rightarrow t=g^{-1}(b)\end{cases};\)
  4. Calcula-se a primitiva na variável \(t\) e usa-se a regra de Barrow entre \(g^{-1}(a)\) e \(g^{-1}(a)\).

Reparem que, ao usar este procedimento não temos que calcular explicitamente a primitiva de \(f(x)\) contrariamente ao que tínhamos feito na primitivação (ver guia de estudo da aula teórica 28): não precisamos agora de calcular a inversa \(t=g^{-1}(x)\), em vez disso, temos que ver qual o intervalo em \(t\) no qual o intervalo em \(x\), \([a,b]\), se transforma.

Exemplos

  1. Calcular \(\displaystyle \int_1^2\frac{e^{\sqrt{x}}}{\sqrt{x}}\,dx\;.\qquad\) A forma da função sugere que se faça \(\;t=\sqrt{x}.\)
    Então \(x=t^2\) e, portanto, \(\dfrac{dx}{dt}=2t\,.\)
    Além disso, \(\begin{cases}x=1 &\Rightarrow t=1\\x=2 &\Rightarrow t=\sqrt{2}.\end{cases}\) Logo, a fórmula de substituição escreve-se, \[\int_1^2\frac{e^{\sqrt{x}}}{\sqrt{x}}\,dx= \int_1^{\sqrt{2}}\frac{e^{t}}{t}\cdot\frac{dx}{dt}\,dt =\int_1^{\sqrt{2}}\frac{e^{t}}{t}\cdot2t\,dt=\left[2e^t\right]_ 1^{\sqrt{2}}=2e^{\sqrt{2}}-2e.\] Reparem que a primitiva também se poderia resolver como quase-imediata. Isto é geral: qualquer primitiva quase-imediata pode ser convertida numa imediata através de uma substituição de variável.
  2. Calcular \(\displaystyle\int_{1/e}^1\frac{\ln x}{x(\ln x-1)^2}\,dx.\qquad\) Faz-se \(t=\ln x.\)
    Então \(x=e^t\) e, portanto, \(\dfrac{dx}{dt}=e^t\,.\)
    Além disso, \(\begin{cases}x=1/e &\Rightarrow t=-1\\x=1 &\Rightarrow t=0.\end{cases}\qquad\) Logo, a fórmula de substituição escreve-se, \[\begin{aligned}\int_{1/e}^1\frac{\ln x}{x(\ln x-1)^2}\,dx&=\int_{-1}^0 \frac{t}{e^t(t-1)^2}\frac{dx}{dt}\,dt= \int_{-1}^0 \frac{t}{e^t(t-1)^2}e^t\,dt= \int_{-1}^0 \frac{t}{(t-1)^2}\,dt\\ &=\int_{-1}^0 \frac{t-1+1}{(t-1)^2}\,dt=\int_{-1}^0 \left(\frac{1}{t-1}+\frac{1}{(t-1)^2}\right)\,dt\\&= \left[\ln |t-1|-\frac{1}{t-1}\right]_{-1}^0=1-\ln 2-\frac{1}{2}=-\ln 2-\frac{1}{2}.\end{aligned}\]
  3. Calcular \(\displaystyle\int_{1/2}^1\frac{1}{x^3}e^{1/x}\,dx.\qquad\) Faz-se \(t=1/x.\)
    Então, \(\;x=1/t\;\) e \(\;\dfrac{dx}{dt}=-\dfrac{1}{t^2}\)
    Além disso, \(\begin{cases}x=1/2 &\Rightarrow t=2\\x=1 &\Rightarrow t=1.\end{cases}\qquad\) Logo, a fórmula de substituição escreve-se, \[\begin{aligned}\int_{1/2}^1\frac{1}{x^3}e^{1/x}\,dx&=\int_{2}^1 t^3e^{t}\frac{dx}{dt}\,dt =\int_{2}^1 t^3e^{t}\left(-\dfrac{1}{t^2}\right)\,dt\\&=\int_1^{2} te^{t}\,dt=[te^t]_{1}^2-\int_1^2e^t\,dt=2e^2-e-[e^t]_1^2=e^2.\end{aligned}\]
  4. Calcular \(\displaystyle\int_{0}^{\pi/4}\frac{1-\operatorname{tg}x}{1+\operatorname{tg}x}\,dx.\qquad\) Faz-se \(t=\operatorname{tg}x.\)
    Então, \(\;x=\operatorname{arctg}t\;\) e \(\;\dfrac{dx}{dt}=\dfrac{1}{1+t^2}.\)
    Além disso, \(\begin{cases}x=0 &\Rightarrow t=0\\x=\pi/4 &\Rightarrow t=1.\end{cases}\qquad\) Logo, a fórmula de substituição escreve-se, \[\int_{0}^{\pi/4}\frac{1-\operatorname{tg}x}{1+\operatorname{tg}x}\,dx=\int_0^1\frac{1-t}{(1+t)(1+t^2)}dt =\left[\ln|t+1|-\frac{1}{2}\ln(1+t^2)\right]_0^1=\frac{1}{2}\ln 2.\] Faça os detalhes da integração da função racional.
  5. Calcular \(\displaystyle\int_{1}^4\frac{1}{\sqrt{x}}\ln(x+\sqrt{x})\,dx.\qquad\) Faz-se \(t=\sqrt{x}.\)
    Então \(\;x=t^2\;\) e \(\;\dfrac{dx}{dt}=2t\;\) Além disso, \(\begin{cases}x=1 &\Rightarrow t=1\\x=4 &\Rightarrow t=2.\end{cases}\qquad\) Logo, a fórmula de substituição escreve-se, \[\begin{aligned}\int_{1}^4\frac{1}{\sqrt{x}}\ln(x+\sqrt{x})\,dx&=\int_1^2 \frac{1}{t}\ln(t^2+t)2t\,dt=\int_1^2 2\ln(t^2+t)\,dt\\ &=[2t\ln(t^2+t)]_1^2-\int_1^2 2t\frac{2t+1}{t^2+t}\,dt=4\ln 6-2\ln 2-2\int_1^2\frac{2t+1}{t+1}\,dt\\ &=2\ln 18-2\int_1^2\left(2-\frac{1}{t+1}\right)dt=2\ln 18-4+2\ln 5-2\ln 3=2\ln 30-4.\end{aligned}\] Veja que aqui se usou a fórmula de integração por partes depois de se ter usado a de substituição de variável. Faça os detalhes da integração da função racional.

Observação. Como vimos nos exemplos, as substituições são em geral sugeridas pela função integranda. Quando isso não acontece, (como provavelmente do exemplo 5) a substituição será dada no exercício. É o que acontece com as seguintes substituições apesar de elas serem standard:

Substituições standard para integração de raizes (serão dadas):

Exemplo 6. Calcular \(\displaystyle\int_{1/2}^{\sqrt{2}/2}\frac{\sqrt{1-x^2}}{x^2}\,dx\,.\quad\) Faz-se \(x=\cos t\).
Então \(\dfrac{dx}{dt}=-\operatorname{sen} t,\;\) e \(\;\begin{cases}x=1/2 &\Rightarrow t=\pi/3\\x=\sqrt{2}/2 &\Rightarrow t=\pi/4.\end{cases}\qquad\) Logo, \[\int_{1/2}^{\sqrt{2}/2}\frac{\sqrt{1-x^2}}{x^2}\,dx=\int_{\pi/3}^{\pi/4}\frac{\sqrt{1-\cos^2 t}}{\cos^2 t}(-\operatorname{sen}t)\,dt =\int_{\pi/4}^{\pi/3}\operatorname{tg}^2t\,dt=\int_{\pi/4}^{\pi/3}((1+\operatorname{tg}^2t)-1)\,dt\] \[=[\operatorname{tg}t-t]_{\pi/4}^{\pi/3}= \sqrt{3}-1-\frac{\pi}{12}.\]

Exercício: Usando a substituição \(t=-x\) mostre que: \[\int_{-a}^0 f(x)\,dx=\int_0^a f(-t)\,dt.\] Daqui tira-se:

Aplicação do integral ao cálculo de áreas

O conceito de "área debaixo do gráfico" foi usado para introduzir o integral na aula anterior. Esse conceito surge agora como uma definição:
Definição (Área - I)

Seja \(f(x)\geqslant 0\), para todo \(x\in[a,b].\quad\) Seja \(A\) o conjunto do plano \(Oxy\) dada por \[A=\{(x,y)\;:\;0\leqslant y\leqslant f(x)\;\wedge \; a \leqslant x \leqslant b\}.\] Define-se a área do conjunto \(A\) como sendo \[\operatorname{Área}(A)=\int_a^b f(x)\,dx,\] se este integral existir.

Por vezes, designamos aquele conjunto \(A\) por \(A_f(a,b)\) quando for preciso dizer qual a função e o intervalo considerados.
Se \(0\leqslant g(x)\leqslant f(x)\) em \([a,b]\) é natural definir a "área entre os gráficos de \(g\) e de \(f\)" como sendo a área do conjunto \(A=A_f(a,b)\setminus A_g(a,b)\) dada por \[\operatorname{Área}(A)=\operatorname{Área}(A_f(a,b))-\operatorname{Área}(A_g(a,b))=\int_a^b f(x)\,dx-\int_a^b g(x)\,dx= \int_a^b (f(x)-g(x))\,dx.\]
Mas, como estamos a considerar \(f\) e \(g\) limitadas, mesmo que elas mudem de sinal no intervalo \([a,b]\), é possível somar uma constante real \(C\) suficientemente grande de forma a que \(f(x)+C\) e \(g(x)+C\) fiquem ambas positivas. Ora, de acordo com o conceito de área que queremos definir, uma translação de uma região do plano não deverá mudar a área dessa região. Logo, a área da região entre as funções \(g(x)\) e \(f(x)\) deverá ser a mesma que a área da região entre \(g(x)+C\) e \(f(x)+C\) e esta diferença é independente do valor de \(C\): \[(f(x)+C)-(g(x)+C)=f(x)-g(x)\,.\]
Logo, faz todo o sentido definir
Definição (Área - II)

Sejam \(f, g\) limitadas tais que, \(g(x)\leqslant f(x)\), para todo \(x\in[a,b].\quad\) Seja \(A\) o conjunto do plano \(Oxy\) dada por \[A=\{(x,y)\;:\;g(x)\leqslant y\leqslant f(x)\;\wedge \; a \leqslant x \leqslant b\}.\] Define-se a área do conjunto \(A\) como sendo \[\operatorname{Área}(A)=\int_a^b \left(f(x)-g(x)\right)\,dx,\] se este integral existir.

Assumindo que \(f,g\) são contínuas, podemos usar a regra de Barrow e calcular a área de regiões bastante gerais.

A seguinte ferramenta do GeoGebra permite visualizar a região \(A\) e calcular a respeciva área. Nos campos adequados pode introduzir as funções \(f(x)\) e \(g(x)\) e, com os cursores, escolher os valores de \(a\) e \(b\).

Exemplos de cálculo de áreas

  1. Área da região plana limitada por \(\;y=x^2-2\;\) e \(\;y=6-x^2\;\).
    Em casos como este, a região \(A\) não é dada de forma completamente explícita: faltam os extremos do intervalo \(a,b\) que têm que ser inferidos da descrição do conjunto. Para isso, é muito útil, por vezes mesmo indispensável, fazer um esboço do gráfico. Faça o esboço neste caso (compare com a ferramenta do GeoGebra) e veja que neste caso particular, tal como em muitos outros, esses pontos são dados pelas interseções entre os gráficos das funções: \[x^2-2=6-x^2\quad\Leftrightarrow\quad x^2=4\quad\Leftrightarrow\quad x=\pm 2.\] Então, \[\operatorname{Área (A)}=\int_{-2}^2\left((6-x^2)-(x^2-2)\right)dx =2\int_{0}^2(8-2x^2)\,dx=2\left[8x-2\frac{x^3}{3}\right]_0^2=\frac{64}{3}.\] Reparem que aqui usou-se o facto da função integranda ser par (fruto da região ser simétrica relativamente ao eixo \(0y\)).
  2. Área limitada por \(\;x=y^2-2\) e \(\;x=6-y^2.\)
    Como no exemplo anterior... (trocamos os eixos).
  3. Área da região limitada por \(\;y=x-1,\;\) \(\;y=-e^x\;\) \(\;y=-2:\)
    Esboçe os graficos.
    Intersecções: \(x-1=-2\;\Leftrightarrow \; x=-1,\quad\) \(-e^x=-2 \;\Leftrightarrow \; x=\ln 2.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_{-1}^0(x-1-(-2))dx+\int_0^{\ln 2}(-e^x-(-2))dx=\left[\frac{x^2}{2}+x\right]_{-1}^{0} +\left[-e^x+2x\right]_0^{\ln 2}=2\ln 2-\frac{1}{2}.\]
  4. Área da região limitada por \(\;y=\operatorname{arctg}x,\;x=1,\;y=0.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_0^1\operatorname{arctg}x\,dx=\frac{\pi}{4}-\frac{1}{2}\ln 2.\]
  5. Área da região \(A=\left\{(x,y):\; 1\leqslant x\leqslant e,\; 0\leqslant y\leqslant \dfrac{1}{x(1+\ln^2x)}\right\}.\) \[\operatorname{Área}(A)=\int_1^e\frac{1}{x(1+\ln^2 x)}\,dx=\left[\operatorname{arctg}(\ln x)\right]_1^e=\frac{\pi}{4}.\]
  6. Área do círculo de raio \(a\gt 0\).
    A equação do círculo de raio \(a\) (centrado na origem) é \(x^2+y^2=a^2\). O quarto de círculo no 1º quadrante será a região \(A=\{(x,y):\; 0\leqslant y\leqslant \sqrt{a^2-x^2},\; 0\leqslant x\leqslant a\}.\)
    Fazendo a substituição de variável \(x=a\operatorname{sen}t,\;\) e usando \(\;\cos^2t=\frac{1+\cos(2t)}{2}\), \[\operatorname{Área}(A)=\int_0^a\sqrt{a^2-x^2}\,dx=\int_0^{\pi/2}\cos^2t\,dt=\left[2t+\operatorname{sen}(2t)\right]_0^{\pi/2}=\frac{\pi a^2}{4}.\] Conclusão: a área do círculo de raio \(a\) é \(4\operatorname{Área}(A)=\pi a^2.\)
Recapitulando: A região pode ser explicitamente dada e, nesse caso podemos logo escrever o integral que dá a área. Este é o caso do exemplo 5. Nos outros casos é necesário interpretar a região e calcular os pontos de intersecção entre as curvas que delimitam a região e perceber-se entre estas intersecções qual são as funções cujos gráficos limitam a região "por cima" e "por baixo".